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12 October 2024

Nunca recebi uma carta

«Tu disseste: Nunca recebi uma carta. Eu disse: Eu também não. E tu: Gostava de receber uma carta. Eu perguntei: Para quê? Tu disseste: Para ler. Uma carta assim à moda antiga. Com un selo. Eu disse: Esquece.
Entre mim e ti, uma coisa qualquer, un esquecimento. Tu disseste: Então escrevo eu primeiro? Eu disse: Está bem. Tu perguntaste: Qual é a tua morada? Eu disse: Não sei.
Como assim, não sabes?
Não sei, a sério.
Tu disseste: Então escreves tu primeiro. Eu não disse nada. Tu disseste: Se escreveres, eu depois respondo-te com uma carta enorme. Uma resma de papel.
Quero ver isso.
Vais ver.
E ficámos a discutir o que escreverias nessa carta. Tu, numa voz afetada e sofrida: Minha querida Mary John, tanto agora como então, és a dona do meu coração.
Sempre tiveste um talento natural para a estupidez, Júlio Bandalho, e eu sou ainda mais naturalmente estúpida, porque não para de pensar nessa frase a rimar.»

Ana Pessoa, Mary John

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